Ofício-Circular n.º 8/2025/CVM/SSE

CVM DIVULGA ORIENTAÇÕES SOBRE ANEXOS NORMATIVOS II, III E VI À RESOLUÇÃO CVM 175

A SSE, área técnica responsável da Comissão de Valores Mobiliários CVM, divulgou no dia 17 de novembro de 2025, o Ofício-Circular 8(1), por meio do qual sistematiza sua interpretação sobre disposições aplicáveis aos FIDC(2), aos FII(3) e aos FIAGRO(4), previstas na Resolução CVM 175, e em seus respectivos anexos normativos, consolidando entendimentos voltados a orientar administradores e gestores quanto à aplicação prática do arcabouço regulatório.

As principais interpretações e esclarecimentos apresentados no Ofício-Circular, pela SSE, encontram-se sintetizados a seguir.

1. FIDC

1.1. Responsabilidade do Gestor pela Verificação do Lastro

A responsabilidade do gestor quanto à verificação do lastro dos direitos creditórios a serem adquiridos pelo FIDC encontra-se prevista no art. 36 do Anexo Normativo II, segundo o qual, “no âmbito das diligências relacionadas à aquisição de direitos creditórios, o gestor deve verificar a existência, integridade e titularidade do lastro dos direitos e títulos representativos de crédito referidos na alínea “a” do inciso XII do art. 2o”.

A partir desse comando, a SSE ressalta que os procedimentos de verificação devem ser calibrados de acordo com as diligências que o gestor considere necessárias e suficientes para a aquisição dos ativos, adequando o nível de verificação às distintas modalidades de direitos creditórios passíveis de aquisição pelo FIDC.

Complementando essa interpretação, a SSE esclareceu que:

  1. o art. 36 do Anexo Normativo II alcança apenas os direitos creditórios definidos na alínea “a” do inciso XII do art. 2º do Anexo Normativo II(5);
  2. os valores mobiliários representativos de crédito, previstos na alínea “b” do art. 2º, XII do Anexo Normativo II(6), embora igualmente classificados como direitos creditórios, são excluídos do escopo de verificações do art. 36 do Anexo Normativo II, haja vista que são ofertados publicamente, mediante registro de oferta na CVM.

1.2. Recebimento em Conta do Cedente

Não obstante o art. 41 do Anexo Normativo II(7) vede que qualquer prestador de serviços receba ou oriente o recebimento de depósitos em conta que não seja de titularidade do FIDC ou de conta vinculada, o art. 52, III, do Anexo Normativo II(8) estabelece uma exceção aplicável às classes destinadas exclusivamente a investidores profissionais, permitindo que os recursos provenientes da liquidação dos direitos creditórios sejam depositados em conta de livre movimentação do cedente.

Nesse contexto, a SSE consolidou o entendimento de que a prerrogativa do art. 52, III, do Anexo Normativo II:

  1. permanece aplicável mesmo quando o cedente também atuar como agente de cobrança, nos termos do art. 32, § 2º do Anexo Normativo II(9);
  2. é restrita ao cedente e não se estende a outros prestadores de serviço ou agentes de cobrança contratados pelo gestor, os quais continuam sujeitos à vedação geral do art. 41 do Anexo Normativo II.

1.3. Execução de Garantia

Ao executar, judicial ou extrajudicialmente, garantias vinculadas aos direitos creditórios adquiridos, o FIDC pode ter incorporados à sua carteira ativos não elegíveis, como imóveis, ensejando desenquadramento passivo quanto ao limite mínimo de direitos creditórios(10).

Sobre o tema, a SSE esclareceu o quanto segue:

  1. no exercício do dever de diligência, cabe ao gestor elaborar um planejamento para a alienação do ativo que venha a ingressar na carteira do FIDC em decorrência da execução de garantias, bem como para o subsequente reenquadramento da classe; e
  2. embora a Lei 14.754 admita limites de enquadramento distintos(11), bem como a Resolução CMN 5.111, considere a possibilidade de que o recebimento de determinadas garantias não implique desenquadramento para fins tributários(12), o tratamento fiscal não se confunde com os controles previstos na Resolução CVM nº 175, cujo enfoque é operacional e regulatório.

1.4. Investimento em Cotas de FIDC do Gestor

Embora as cotas de FIDC sejam qualificadas como direitos creditórios por equiparação, a SSE entende que nem todas as regras do Anexo Normativo II aplicáveis aos direitos creditórios alcançam, também, as cotas de FIDC.

Sobre o tema, a área técnica esclarece que não se estendem às cotas do FIDC:

  1. a exigência de registro prevista no art. 37 do Anexo Normativo II(13); e
  1. a vedação prevista no art. 42 do Anexo Normativo II(14), relativa à aquisição de direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultoria especializada ou partes a eles relacionadas(15), haja vista que a SSE considera que a aplicação desse dispositivo pressupõe que o ativo tenha sido efetivamente originado ou cedido, condição que não é compatível com a natureza das cotas de FIDC.

2. FII

2.1. Investimento em Cotas de FIDC

Embora o investimento direto do FII em créditos imobiliários não seja autorizado, é possível obter essa exposição de forma indireta, por meio da aquisição de Certificados de Recebíveis Imobiliários ou, ainda, de cotas de FIDC, conforme previsto no art. 40, VII, do Anexo Normativo III(16).

Nesse contexto, a área técnica esclareceu que o FIDC investido pelo FII:

  1. deve possuir política de investimento voltada exclusivamente às atividades permitidas aos FII, ou seja, à aplicação em empreendimentos imobiliários; e
  2. pode adquirir direitos creditórios, conforme definidos no art. 2º, XII, do Anexo Normativo II(17), desde que qualificados como imobiliários, além de observar todos os demais requisitos previstos no Anexo Normativo II.

3. FIAGRO

3.1. Equiparação das Cotas de FIAGRO a Cotas de FIDC

O art. 2º do Anexo Normativo VI(18) prevê a aplicação subsidiária de outros anexos normativos ao FIAGRO, quando a sua política de investimento permitir a alocação de mais de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio líquido em ativos que também sejam objeto de investimento de outra categoria de fundo, prevalecendo, em caso de conflito, as regras do Anexo Normativo VI.

Nesse sentido, sobre o tema a SSE esclareceu que:

  1. o FIAGRO cuja política autorize investir mais de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio líquido em direitos creditórios deve observar, cumulativamente, o Anexo Normativo II e o Anexo Normativo VI;
  2. a equiparação das cotas de FIAGRO às de outras categorias somente é possível se, além da aplicação subsidiária do anexo normativo pertinente, se o regulamento estabelecer, de forma expressa, política de investimento estruturada para cumprir os requisitos mínimos de enquadramento previstos no referido anexo normativo;
  3. assim, na ausência de previsão específica, no regulamento, determinando que o FIAGRO deve manter, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) do patrimônio líquido investido em direitos creditórios, não se admite a equiparação de suas cotas às de FIDC; e
  4. por outro lado, havendo política de investimento estabelecendo que, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) do patrimônio líquido deve permanecer investido em direitos creditórios, as cotas do FIAGRO podem ser equiparadas às de FIDC e enquadradas no conceito de direitos creditórios previsto no art. 2º, XII, do Anexo Normativo II.

3.2. Registro dos Direitos Creditórios Investidos

Embora o art. 27, III, “b”, do Anexo Normativo VI(19) determine que o administrador deve contratar, em nome do FIAGRO, o serviço de registro de direitos creditórios em entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil, o art. 39, I, do Anexo Normativo VI(20), estabelece a dispensa dessa contratação, bem como da custódia, para os FIAGRO destinados exclusivamente a Investidores Profissionais.

Com relação a essa dispensa, a SSE esclareceu que:

  1. ela somente se aplica quando o FIAGRO não possuir política de investimento que permita alocar mais de 50% do patrimônio líquido em direitos creditórios;
  2. caso o FIAGRO, nos termos do art. 2º do Anexo Normativo VI, venha a se submeter subsidiariamente ao Anexo Normativo II, deverá obrigatoriamente contratar serviços de registro ou custódia de direitos creditórios, observando integralmente a dinâmica operacional aplicável aos FIDC, uma vez que o Anexo Normativo II não prevê dispensa desses serviços e, nessa matéria, prevalece sobre o Anexo Normativo VI.

3.3. Investimento em Sociedades

Sobre a aplicação do art. 26 do Anexo Normativo IV(21) à parcela da carteira do FIAGRO composta por participações societárias em companhias fechadas e sociedades limitadas, especialmente no que se refere à necessidade de se manter a efetiva influência na definição da política estratégica e na gestão da sociedade investida, a SSE esclareceu que:

  1. o dispositivo é aplicável a todas as modalidades de FIAGRO, ainda que o fundo não esteja sujeito, em regra, ao Anexo Normativo IV; e
  1. mesmo quando o FIAGRO adotar exclusivamente o Anexo Normativo VI, ou qualquer outro anexo normativo distinto, deve observar integralmente o art. 26 do Anexo Normativo IV, independentemente do objetivo da participação societária em companhias fechadas ou sociedades limitadas.

3.4. Renúncia do Administrador

O art. 28 do Anexo Normativo VI estabelece que: “caso a classe de cotas possua investimento em imóvel rural, na hipótese de renúncia, o administrador fica obrigado a permanecer no exercício de suas funções no mínimo até a averbação, nos registros competentes, da ata da assembleia de cotistas que eleger seu substituto e sucessor na propriedade fiduciária do imóvel”.

A esse respeito, a SSE destacou que:

  1. o cumprimento da regra é fundamental, pois a renúncia indica a intenção do administrador de interromper a prestação de serviços, enquanto o novo administrador enfrentará limitações;
  2. relevantes para gerir o FIAGRO se a propriedade fiduciária do imóvel ainda estiver registrada em nome do administrador renunciante;
  3. ainda que possam existir dificuldades práticas para a alteração registral, o administrador renunciante não detém mais poderes ou responsabilidades sobre o FIAGRO a partir da data da renúncia, razão pela qual não deve permanecer como titular da propriedade fiduciária nos registros imobiliários após sua substituição;
  4. manter o registro do imóvel em nome do administrador renunciante, após a transferência da administração, gera risco significativamente maior aos cotistas do que manter o FIAGRO sob a administração do renunciante até a efetiva averbação.

4. Glossário

TermoDefinição
Anexo Normativo IIAnexo Normativo II à Resolução CVM 175, que dispõe sobre regras específicas aplicáveis aos FIDC.
Anexo Normativo IIIAnexo Normativo III à Resolução CVM 175, que dispõe sobre regras específicas aplicáveis aos FII.
Anexo Normativo IVAnexo Normativo IV à Resolução CVM 175, que dispõe sobre regras específicas aplicáveis aos FIP.
Anexo Normativo VAnexo Normativo V à Resolução CVM 175, que dispõe sobre regras específicas aplicáveis aos FIAGRO.
CVMComissão de Valores Mobiliários.
FIAGROFundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais.
FIDCFundo de Investimento em Direitos Creditórios.
FIIFundo de Investimento Imobiliário.
FIPFundo de Investimento em Participações.
Investidores ProfissionaisInvestidores definidos no art. 11 da Resolução nº 30 da CVM, de 11 de maio de 2021.
Lei 14.754Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023.
Ofício-Circular 8Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE, divulgado em 17 de novembro de 2025.
Resolução CMN 5.111Resolução nº 5.111 do Conselho Monetário Nacional, de 21 de dezembro de 2023.
Resolução CVM 175Resolução nº 175 da CVM, de 23 de dezembro de 2022.
SSESuperintendência de Securitização e Agronegócio.


5. Referências

¹ Disponível em https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sse1/oc-sse-0825.html. Acessado em 17 de novembro de 2025.

² As regras específicas aplicáveis aos FIDC estão previstas no Anexo Normativo II.

³ As regras específicas aplicáveis aos FII estão previstas no Anexo Normativo III.

4 As regras específicas aplicáveis aos FIAGRO estão previstas no Anexo Normativo VI.

5 “Art. 2º. Para fins deste Anexo Normativo II, entende-se por: (…)

XII – direitos creditórios:

a) direitos e títulos representativos de crédito; (…)”.

6 “Art. 2º. Para fins deste Anexo Normativo II, entende-se por: (…)

XII – direitos creditórios: (…)

b) valores mobiliários representativos de crédito; (…)”.

7 “Art. 41 É vedado a qualquer prestador de serviços receber ou orientar o recebimento de depósito em conta corrente que não seja de titularidade da classe de cotas ou não seja conta-vinculada”.

8 “Art. 52. No que se refere à classe de cotas destinada exclusivamente a investidores profissionais, adicionalmente às faculdades dispostas na parte geral da Resolução e neste Anexo Normativo II, o regulamento pode prever: (…)

III – que os recursos oriundos da liquidação financeira dos direitos creditórios podem ser recebidos pelo cedente em conta corrente de livre movimentação, para posterior repasse à classe”.

9 “§2º. O cedente dos direitos creditórios pode ser contratado pelo gestor, em nome do fundo, exclusivamente como agente de cobrança dos créditos vencidos e não pagos”.

10 Conforme art. 44 do Anexo Normativo II, a classe de cotas deve possuir parcela superior a 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio líquido representada por direitos creditórios.

11 “Art. 19. Para fins do disposto nesta Lei, serão considerados como FIDCs os fundos que possuírem carteira composta de, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) de direitos creditórios”.

¹² “§4º. Os ativos recebidos pelo FIDC em decorrência de procedimentos judiciais ou extrajudiciais envolvidos na recuperação dos seus direitos creditórios, por força de expropriação de ativos, excussão de garantias, dação em pagamento, conversão, adjudicação ou arrematação de bem penhorado ou transação, nos termos do art. 840 e seguintes da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), serão considerados direitos creditórios enquanto compuserem a carteira do FIDC, desde que o seu gestor apresente plano de liquidação dos ativos recuperados”.

¹³ “Art. 37. Caso a classe aplique recursos em direitos creditórios que não sejam passíveis de registro em entidade registradora, o administrador deve contratar o serviço de custódia para a carteira de ativos”.

14Art. 42. É vedada a aquisição de direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultoria especializada ou partes a eles relacionadas”.

15 Não obstante o FIDC que não seja destinado a investidores em geral possa afastar tal vedação, nos termos do §1º do artigo 42 do Anexo Normativo II, se: (a) o gestor, a entidade registradora e o custodiante dos direitos creditórios não sejam partes relacionadas entre si; e (b) a entidade registradora e o custodiante não sejam partes relacionadas ao originador ou cedente.

16 “Art. 40. A participação da classe de cotas em empreendimentos imobiliários pode se dar por meio da aquisição dos seguintes ativos: (…)

VII – certificados de recebíveis imobiliários e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios que tenham como política de investimento, exclusivamente, atividades permitidas aos FII, e desde que estes certificados e cotas tenham sido objeto de oferta pública registrada na CVM ou cujo registro tenha sido dispensado; (…)”.

17 “Art. 2º. Para fins deste Anexo Normativo II, entende-se por: (…)

XII – direitos creditórios:

a) direitos e títulos representativos de crédito;

b) valores mobiliários representativos de crédito;

c) certificados de recebíveis e outros valores mobiliários representativos de operações de securitização, que não sejam lastreados em direitos creditórios não-padronizados; e

d) por equiparação, cotas de FIDC; (…)”.

18 “Art. 2º. Caso uma classe de cotas do FIAGRO tenha política de investimento que possibilite a aplicação de mais de 50% (cinquenta por cento) do seu patrimônio líquido em ativos que também sejam objeto de investimento de outra categoria de fundo, deve observar subsidiariamente as regras aplicáveis à respectiva categoria, prevalecendo, em caso de conflito, as regras dispostas neste Anexo Normativo VI”.

19 “Art. 27. Em acréscimo às obrigações dispostas no art. 104 da parte geral da Resolução, compete ao administrador: (…)

III – contratar os seguintes serviços, em nome do fundo, quando necessários por conta da política de investimento: (…)

b) registro de direitos creditórios em entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil; e (…)”.

20 ”Art. 39. Em acréscimo à possibilidade prevista no art. 114 da parte geral da Resolução, o regulamento da classe de cotas exclusivamente destinada a investidores profissionais pode dispensar:

I – a contratação dos serviços de registro e custódia de direitos creditórios; (…)”.

21  “Art. 26. Em acréscimo às obrigações dispostas no art. 105 da parte geral da Resolução, cabe ao gestor:

I – fornecer aos cotistas, conforme conteúdo e periodicidade previstos no regulamento, atualizações periódicas dos estudos e análises que permitam o acompanhamento dos investimentos realizados, objetivos alcançados, perspectivas de retorno e identificação de possíveis ações que maximizem o resultado do investimento;

II – firmar os acordos de acionistas em sociedades investidas;

III – manter a efetiva influência na definição da política estratégica e na gestão da sociedade investida, nos termos do disposto no § 1º do art. 5º, e assegurar as práticas de governança referidas no art. 8º, ambos deste Anexo Normativo IV; e

IV – diligenciar para que sejam mantidos atualizados e em perfeita ordem, às suas expensas, os livros de atas de reuniões dos conselhos consultivos, comitês técnicos e de investimentos”.

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