Wealth planning nas relações homoafetivas

Publicado no Estadão - 28/06/2023
Por Igor Nascimento de Souza, sócio do SouzaOkawa e Ana Luisa Porto Borges, sócia do Mario Luiz Delgado Advogados

O planejamento patrimonial e sucessório nas relações homoafetivas teve evoluções jurisprudenciais e legislativas significativas nos últimos anos. Contudo, as dificuldades de entendimento do tema pelos familiares e o preconceito ainda existente, fazem como que muitas destas uniões tenham dificuldades na hora de fazer prevalecer os direitos do cônjuge e dos herdeiros nos casos de sucessão por morte, ou mesmo entre vivos.

Em 2011 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se à união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva, ou seja, com o reconhecimento da relação homoafetiva, além da possibilidade de contraírem o matrimônio, passaram a ter todos os direitos patrimoniais que se aplicam às relações hetero, como, por exemplo, regime de bens, alimentos, guarda, regime de convivência parental e direitos sucessórios.

Assim, um casal homosexual que tem uma convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição familiar (art. 1723 do Código Civil) deve ter reconhecida sua união estável.

Já a grande mudança legislativa no direito sucessório ocorreu com o Código Civil de 2002, que alçou o cônjuge à posição de herdeiro necessário, juntamente com os descendentes e ascendentes (art. 1835 do Código Civil), mas dispôs no art. 1790 direitos sucessórios aos companheiros bem inferiores aos conferidos aos cônjuges.

Contudo, como o STF reconheceu que as relações homoafetivas devem ter a mesma proteção do Estado que as relações heteroafetivas, julgou inconstitucional o art. 1790 por entender não ser legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, sendo essa hierarquização incompatível com a Constituição de 1988, afrontando os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso, passando o companheiro, seja de relação homoafetiva, seja de relação heteroafetiva, a ter os mesmos direitos sucessórios que o cônjuge.

Com essa equiparação e com o julgamento da inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, os cônjuges e companheiros sobreviventes do casal hetero e homo herdam – pelo menos – metade dos bens do cônjuge ou companheiro falecido, concorrendo juntamente com descendentes ou ascendentes, se casados sob o regime de separação total de bens; ou, se casados pelo regime de comunhão parcial dos bens, em relação aos bens exclusivos; ou à totalidade dos bens, concorrendo com ascendentes e descendentes, caso não haja testamento.

Assim, para se ampliar ou reduzir os direitos sucessórios, os casais homo e hetero devem estar atentos ao escolher o “instrumento” que irá regular a sua relação, podendo ser o casamento ou a união estável com escritura pública ou instrumento particular, ou sem documento escrito.

No casamento e na união estável com escritura pública ou instrumento particular, as partes podem escolher um dos regimes de bens relacionados no Código Civil, ou seja, podem se casar ou estabelecer a união estável sob o regime de comunhão parcial de bens; o regime de separação absoluta de bens; ou o regime de comunhão de bens.

Portanto, para que o regime de bens aplicado na relação heteroafetiva ou homoafetiva seja o da separação total de bens ou da comunhão parcial de bens é obrigatória a realização do pacto antenupcial antes do casamento, ou a previsão desses regimes na escritura pública ou no instrumento particular, na união estável. Sempre que o casamento ou a escritura ou instrumento particular da união estável e a união estável de fato (sem documento escrito) ficarem silentes sob o regime de bens, aplica-se o regime de bens da comunhão parcial.

Ainda, no casamento o cônjuge sempre será, juntamente com descendentes e ascendentes, herdeiro necessário com direito a legítima, ou seja, metade dos bens do falecido, sempre que for casado no regime de comunhão parcial ou no regime de separação total. Logo, o fato de estar casado sob o regime de separação total de bens não retira do cônjuge e do companheiro o direito a participar da herança. A única forma de reduzir ou ampliar o direito sucessório do cônjuge ou do companheiro é a realização de testamento de metade do patrimônio (parcela disponível).

Já no caso de falecimento de um dos companheiros do casal homoafetivo que tem uma convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição familiar, mas que não instrumentalizou essa relação (por escritura pública, ou por instrumento particular), poderá ter direito sucessório através da ação de reconhecimento de união estável post mortem, procedimento complexo, demorado e desgastante para as partes envolvidas.

Portanto, o casal homo tem garantido todos os direitos sucessórios como cônjuge ou companheiro, devendo estar atento na escolha do regime de bens, bem como conhecer e fazer uso dos instrumentos existentes para – dentro dos limites legais – destinar seu patrimônio aos destinatários de sua escolha, ressaltando que a escolha dos destinatários se limita a metade do seu patrimônio, sempre que houver ascendente, descendente e cônjuge ou companheiro, através do testamento que poderá individualizar, clausular, e nomear curador para administrar o patrimônio, caso o destinatário seja menor.

A igualdade dos direitos entre casais homossexuais e heterossexuais tão aguardada e festejada, vai além da celebração do afeto, pois coloca os casais homossexuais como sujeitos de direito e obrigações decorrentes da sua relação, independentemente da sua orientação sexual. Além do testamento, os casais homossexuais podem e devem utilizar o planejamento sucessório como a partilha em vida, o usufruto, a previdência privada, o seguro de vida, a doação, o pacto parassocial, o trust e outros.

Por fim, relevante lembrar que as questões relacionadas à tributação na sucessão ou na doação, mormente pelo Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e pelo Imposto de Renda das Pessoas Físicas, também são identicamente aplicáveis às uniões homo e heteroafetivas, não podendo haver distinção.

O artigo foi produzido pelo SouzaOkawa Advogados e publicado pelo Estadão. Para acessar na íntegra, acesse o link abaixo.

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