STF define tese para responsabilização de plataformas online

Após anos de discussões, ontem (26), o Supremo Tribunal Federal – STF concluiu o julgamento dos temas de repercussão geral nº 987 (RE 1037396) e nº 533 (RE 1057258), declarando a inconstitucionalidade parcial e progressiva do art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Trata-se de uma decisão com potencial de impactar significativamente a modelagem do futuro da internet no Brasil.

O referido dispositivo é o que desenha o regime de responsabilidade civil das plataformas digitais no país, disciplinando as consequências jurídicas quando uma pessoa, física ou jurídica, alega ter sofrido dano causado por conteúdo de terceiros e solicita à plataforma, por notificação ou denúncia, a remoção desse conteúdo.

Assim, com um placar de 8 votos a 3, o STF firmou a tese de repercussão geral de que é parcialmente inconstitucional a regra geral do art. 19, que exige o descumprimento de ordem judicial específica para a responsabilização civil de provedor de aplicações de internet por danos resultantes de conteúdos de terceiros.

Princípio geral: De acordo com a tese de repercussão geral firmada, até a edição de nova lei, o art. 19 deve ser interpretado para permitir a responsabilização civil dos provedores, salvo exceções previstas na legislação eleitoral e normas do TSE. Ainda, os provedores respondem por danos de conteúdos ilícitos ou criminosos gerados por terceiros, incluindo contas inautênticas, mantendo o dever de remoção.

Crimes contra a honra: Em crimes contra a honra, a tese estabelece que se aplica o art. 19, sem excluir a possibilidade de remoção por notificação extrajudicial. Além disso, em casos de replicações sucessivas de conteúdo ofensivo já declarado ilícito, todos os provedores devem remover publicações idênticas mediante notificação judicial ou extrajudicial, sem necessidade de nova decisão judicial para cada caso.

Anúncios e impulsionamentos pagos: A tese firmada também estabeleceu a presunção de responsabilidade dos provedores de aplicações de internet em caso de conteúdos ilícitos quando se tratar de anúncios e impulsionamentos pagos, bem como redes artificiais de distribuição, tais como chatbot e robô. Isto é, nestes casos, a responsabilização se dará independentemente de notificação.

Crimes graves: Focando na circulação massiva de conteúdos ilícitos graves, a tese define que os provedores são responsáveis quando não promoverem a remoção imediata de conteúdos que configurem práticas de crimes graves previstas em rol taxativo, incluindo, por exemplo, atos antidemocráticos, terrorismo, incitação ao suicídio ou automutilação, discriminação e discurso de ódio, violência de gênero, crimes sexuais contra vulneráveis, pornografia infantil e tráfico de pessoas.

Nesses casos, a responsabilização se refere à falha sistêmica, caracterizada pela omissão em adotar medidas adequadas de prevenção ou remoção, violando o dever de atuar com responsabilidade, transparência e cautela. A tese firmada esclarece que um conteúdo ilícito isolado não gera, por si só, responsabilidade civil nos termos definidos.

Marketplaces: O STF esclareceu que provedores de aplicações que atuam como marketplaces respondem civilmente conforme o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), não se aplicando, portanto, o art. 19 nos casos que os envolvem.

Autorregulação: Além disso, foram estabelecidos deveres adicionais para os provedores de aplicações de internet, que deverão editar regras de autorregulação abrangendo sistema de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência sobre notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos. As plataformas terão que oferecer canais permanentes e específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, acessíveis e amplamente divulgados, além de manter regras publicadas e revisadas de forma transparente. Ficou ainda definido que os provedores com atuação no Brasil devem manter sede e representante no país, com plenos poderes para responder perante autoridades administrativas e judiciais, fornecer informações sobre moderação e funcionamento, cumprir ordens judiciais e eventuais penalidades.

Por fim, o Supremo apelou ao Congresso Nacional para que elabore legislação capaz de corrigir as deficiências do regime atual na proteção de direitos fundamentais e modulou os efeitos da decisão, que valerá apenas de forma prospectiva, sem atingir decisões já transitadas em julgado.

O informativo foi produzido pela equipe SouzaOkawa. Para acessar a versão em pdf, acesse o link acima.

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